Conecte-se conosco

Notícias

Casal desaparecido, sumiço de advogada e assassinatos de crianças: quatro crimes que terminam 2022 sem respostas

Publicado

em

Em Imbé, no Litoral Norte, uma família espera há quase cinco meses para ver os autores do crime que deu fim à vida do caçula, de seis anos, serem responsabilizados. O menino foi baleado dentro de casa enquanto tentava se proteger de criminosos armados. No Vale do Sinos, os pais de uma criança de nove anos tentam lidar há dois meses com o vazio deixado após a morte do pequeno, atingido por bala perdida em Novo Hamburgo.

Em São Leopoldo, parentes cultivam a esperança de descobrir o paradeiro de uma advogada, que desapareceu em julho, após sair para caminhar. Em Cachoeirinha, sem expectativa de encontrá-los com vida, familiares de um casal que sumiu no fim de fevereiro esperam ao menos desvendar o paradeiro dos corpos e realizar alguma despedida.

Esses quatro casos registrados ao longo de 2022 seguem à espera de algum desfecho em 2023. GZH ouviu as famílias, os responsáveis pelas investigações e outros envolvidos nesses episódios. Confira abaixo:

Aos seis anos, assassinado por atiradores dentro de casa

Brayan Vidal Ferreira era apaixonado por tudo que envolvia o Natal. Na casa onde vivia em Imbé, no Litoral Norte, o menino ficava ansioso e ajudava nos preparativos. O ápice da alegria era quando encontrava a árvore repleta de presentes. Neste ano, os pais precisaram passar pela data sem a presença contagiante dele. Aos seis anos, Brayan foi assassinado a tiros por criminosos que invadiram a moradia da família em agosto.

— Era uma criança feliz, o sorriso dele era marcante — descreve a mãe, Fabiene Ferreira, 53 anos, que se apega às lembranças do caçula.

Uma das fotos guardadas pela mãe registra o sorriso largo do garoto, aos três anos, em frente ao pinheiro enfeitado. Naquele ano, para brincar com o filho, o sargento aposentado da Brigada Militar Alexandre de Jesus Ferreira, 50, escondeu-se num dos quartos e telefonou, dizendo ser o Papai Noel.

— Os olhinhos dele brilhavam. Quando o pai perguntou: “Você foi um bom menino, se portou bem?”, ele disse: “Não, eu incomodei minha mãe” — recorda Fabiene.

Alexandre também foi baleado no braço no ataque que interrompeu a vida do menino. Brayan e a mãe se preparavam naquele domingo, 7 de agosto, para assistir a um jogo do Internacional, deitados no sofá, quando três homens armados invadiram a residência. O alvo seria um colombiano, companheiro da neta do policial, que estava no local e conseguiu escapar. Após o ataque, os criminosos fugiram e abandonaram o automóvel em chamas num terreno baldio.

— Uma criança, de apenas seis anos, estava brincando e vendo TV num domingo à tarde, na sua casa, com um irmão autista, com os pais, quando entram aqueles indivíduos, efetuando série de disparos, ela corre para os braços do pai, e é morta na frente dele. Isso tem de ter uma resposta, independentemente do filho de quem fosse — reconheceu o delegado Antônio Carlos Ractz, que na época era titular da Delegacia de Imbé, em coletiva, dias após o crime.

Quase cinco meses depois, a família aguarda por essa resposta. Apesar de a Polícia Civil afirmar conhecer a motivação, que envolveria esquema de agiotagem e a morte de outro colombiano, e ter identificado os suspeitos do crime, nenhum deles está preso ou indiciado. Em novembro, familiares e amigos se reuniram em protesto com faixas e cartazes. A mãe afirma que pretende continuar cobrando o desfecho.

— Nós não vivemos mais. Estamos sobrevivendo para ir atrás de Justiça para o nosso filho. É revoltante. Uma criança de seis anos foi morta e isso não é importante? É uma frustração imensa. Meu filho foi assassinado dentro de casa. Não vou desistir. Enquanto eu viver, vou atrás. Quero todos os envolvidos presos. Não me interessa quem são. Quero todos presos. Isso vai nos trazer ao menos um pouco de paz — desabafa.

Após a manifestação de novembro, a polícia afirmou que dois pedidos de prisão temporária tinham sido negados pela Justiça e que 20 celulares apreendidos com os suspeitos ainda precisavam ser analisados, o que não havia acontecido por falta de efetivo. O novo titular da Delegacia de Imbé, delegado Rodrigo Nunes, disse nesta semana que o caso segue em andamento. Sobre os celulares, afirmou que não pode informar se já foram analisados.

— Não posso passar maiores informações. Está em andamento e pretendo terminar com maior brevidade possível. Foram encaminhados para extração (os celulares). Mas qualquer informação pode atrapalhar. O caso está sendo tratado com prioridade, até por envolver a morte de uma criança de seis anos, mas é bastante complexo — disse Nunes.

Advogada saiu para caminhar e nunca mais voltou

Há mais de cinco meses, familiares de Alessandra Dellatorre, 29 anos, vivem a angústia de não saber o paradeiro da advogada. No dia 16 de julho, Ale saiu de casa para fazer uma caminhada, em São Leopoldo, no Vale do Sinos, e nunca mais voltou. Desde então, enquanto o caso passou a ser investigado, parentes e amigos somaram esforços na tentativa de ter respostas. Até hoje, sem sucesso.

O sumiço de Ale gerou inúmeras mobilizações, tanto nas redes sociais quanto nas ruas, onde foram feitas buscas, e cartazes e outdoors foram espalhados, clamando por informações. A família chegou a expandir a procura para outros Estados, em busca de novas pistas e garante que só vai parar quando a advogada for localizada.

— Continuamos firmes nas buscas. Não paramos nem um dia sequer. Não vamos desistir. Temos muita esperança e fé. Deus vai nos ajudar — diz a tia e madrinha de Ale, Érica Dellatorre.

Câmeras de segurança chegaram a registrar parte do trajeto feito por Ale, quando desapareceu. Ela vestia moletom preto e calça da mesma cor. A advogada não costumava levar celular quando saía para se exercitar. Foram realizadas buscas em áreas de matos pelos policiais, com auxílio dos bombeiros e cães farejadores, mas nada de concreto foi localizado que permitisse apontar o que aconteceu com a advogada. A investigação, segundo o delegado André Serrão, da Delegacia de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP), não encontrou evidência até hoje que indique algum crime.

— Não havia e continua não havendo. Nossa linha de investigação mais forte é que ela teria saído de casa por questões de depressão. Toda semana a polícia realiza alguma diligência em relação ao caso — garante o policial.

Entre as tentativas realizadas para descobrir o paradeiro de Ale, estão depoimentos de pessoas próximas dela e o monitoramento das contas bancárias e redes sociais. O intuito é identificar qualquer movimentação nova em nome da advogada.

Em novembro, o corpo de uma mulher foi encontrado numa área de matagal em São Leopoldo. Não foi possível fazer a identificação da vítima pelas impressões digitais. Desde o início da localização, a polícia já afirmava não acreditar que se tratasse da advogada, pelas características físicas e o local onde foi achada, distante do ponto do sumiço. Mais tarde, a mulher foi identificada e se constatou que não era Alessandra. Segundo o delegado, a polícia continua conferindo cada nova informação que é recebida.

— Só quando tiver uma localização ou uma sinalização de outro crime para o procedimento ser concluído em relação ao desaparecimento — afirma Serrão.

Garoto vítima de bala perdida em Novo Hamburgo

O pedreiro Edison de Souza Lopes, 35 anos, convive com a sensação constante de que o filho Fernando dos Santos Lopes, nove anos, vai entrar pela porta a qualquer momento. Em 16 de outubro, o garoto retornava para casa de carona com um familiar, quando o carro que eles seguiam ficou na linha de um tiroteio no bairro Santo Afonso, em Novo Hamburgo. No banco de trás do veículo, o menino foi atingido na cabeça por uma bala perdida, chegou a ser socorrido, mas não resistiu.

Filho mais novo do casal, Fernando era um menino carinhoso, que adorava distribuir abraços e repetir palavras amorosas. Era ele quem despertava primeiro em casa nas datas comemorativas, como aniversários, Páscoa, Dia das Crianças e Natal. Os pais agora precisam conviver com essa falta.

— Está horrível para todo mundo. Para nós, para os tios, os avós. Passei o Natal com a minha mãe, e a comida que ele mais gostava ficou na mesa. Nos abraçamos, mas não conseguimos nem desejar Feliz Natal. Era ele quem corria e abraçava todo mundo. Logo tem a virada do ano, o aniversário da minha esposa em janeiro, o meu em abril. E ele não vai estar — desabafa o pai.

Na moradia da família, o pai vê em todos os cantos lembranças dos hábitos diários do menino. Convive com aquela sensação de que ele vai abrir a porta repentinamente e entrar dentro de casa pedindo um copo de água ou um pão.

— Parece que ele está brincando do lado de fora, no pátio, e que vai entrar a qualquer momento — diz Edison.

Segundo a delegada Ariadne Langanke, da DHPP de Novo Hamburgo, ainda são realizadas diligências para desvendar o caso. Até o momento, ninguém foi preso. Um homem, que seria o verdadeiro alvo dos criminosos foi ouvido pela investigação, mas não chegou a apontar quem seriam os autores dos disparos. A família costuma acompanhar junto à polícia o andamento do caso.

— Acredito que eles tenham de ser presos, pelo que fizeram. Mas, independente do que acontecer, nada vai trazer meu filho de volta, nada vai amenizar a nossa dor. Agradeço a Deus por eles não terem matado mais ninguém. Se olhar as imagens, tinha muitas pessoas no caminho, tinha uma mulher passando com um carrinho de bebê. Poderiam ter sido mais vítimas. Infelizmente, o meu filho não teve sorte — lamenta pai.

Casal desapareceu de dentro de casa há 10 meses

No fim de fevereiro, um casal desapareceu da residência onde vivia em Cachoeirinha, na Região Metropolitana. Rubem Heger, 85 anos, e a esposa Marlene Heger, 53, não foram localizados pelos familiares desde então.

A Polícia Civil concluiu que os dois foram mortos por uma filha e um neto do idoso, que respondem a processo na Justiça. Dez meses depois, no entanto, segue o mistério em relação ao paradeiro das vítimas. Até hoje, os corpos não foram localizados.

Em 27 de fevereiro, Marlene e Rubem receberam a visita de Cláudia de Almeida Heger, 51, e do filho dela Andrew Heger Ribas, 28, na casa onde viviam em Cachoeirinha. Por meio de imagens de câmeras, familiares descobriram que a filha e neto do idoso estiveram no local e deixaram a residência em um veículo. No entanto, não foi possível visualizar por meio dos vídeos se o casal estava no mesmo carro. Claudia alega que o pai e a madrasta estavam no veículo e que passaram alguns dias na casa dela, em Canoas, antes de saírem de lá e nunca mais voltarem.

Essa versão, no entanto, não convenceu a polícia, que concluiu que os dois foram assassinados dentro de casa, em Cachoeirinha, e tiveram os corpos ocultados. O sumiço levantou ainda mais desconfiança porque Rubem fazia tratamento para enfisema pulmonar e pouco saía de casa, já que dependia de medicações e fazia uso de um cilindro de oxigênio. Os dois acabaram sendo indiciados pelas mortes, denunciados pelo Ministério Público e se tornaram réus. Para a acusação, o crime foi motivado pelo fato de Rubem ter deixado de prestar auxílio financeiro para Cláudia depois que ela se envolveu em um caso de falso sequestro em 2016.

A Polícia Civil diz que realizou todas as buscas possíveis em áreas de matas próximas de locais percorridos pelo veículo de Cláudia, mas não foi possível chegar ao paradeiro dos corpos. Até hoje, os familiares do casal convivem com essa incerteza.

— Embora não tenham sido encontrados os corpos, os indícios de autoria são altíssimos. Se não tivesse esses indícios, não teriam sido recolhidos preventivamente. A família está totalmente desestruturada. Eles não tiveram o luto, não puderam nem mesmo velar os dois. Isso tudo é muito difícil — afirma a advogada Priscilla Helena Marmacedo, que atua como assistente de acusação em nome da família do casal.

As defesas de ambos réus negam que eles tenham envolvimento nos crimes. Andrew permanece no Instituto Psiquiátrico Forense (IPF) em Porto Alegre. No fim de novembro, o instituto emitiu laudo no qual considera o réu incapaz de compreender os atos criminosos. Após esse resultado, a Justiça determinou a manutenção da internação provisória dele no IPF. Somente após ser encerrada a fase de instrução do processo é que o Judiciário deve se manifestar sobre como ficará a situação dele.

O advogado André Von Berg, que representa Andrew, sustenta a inocência do cliente, e aguarda julgamento de um habeas corpus.

— A minha posição continua sendo a mesma, independentemente do laudo: acredito na inocência do Andrew e que será feita Justiça ao caso concreto — diz Von Berg.

Já Cláudia chegou a ser mantida em unidade prisional, mas atualmente está em prisão domiciliar por ter apresentado problemas de saúde.

— A Claudia nega completamente as acusações e irá demonstrar sua inocência durante a instrução processual — afirma o advogado Jean Severo, que defende a ré.

Colabore

Informações que ajudem a esclarecer os casos podem ser repassadas à Polícia Civil pelos telefones (51) 98444-0606 (WhatsApp e Telegram) e pelo Disque-Denúncia, no 181.

Brayan (de vermelho) e Fernando tiveram vida abreviada por criminosos; casal de idosos e advogada desapareceram – Fotos: Arquivo Pessoal / Arquivo Pessoal

 

Fonte: Gaúcha ZH

 

 

 

 

 

 

 

 

Entrar no Grupo do WhatsApp

+ Acessadas da Semana