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Brasil tem “boom” de população de rua

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População em situação de rua disparou na pandemia – e também mudou drasticamente de perfil, incluindo mais mulheres e crianças. Falta de contagem oficial dificulta elaboração de políticas públicas específicas.

A reportagem é de Malu Delgado, publicada por Deutsche Welle, 15-03-2022.

O cenário se repete em inúmeras cidades brasileiras, sobretudo nas capitais: são centenas de barracas, enfileiradas em largas avenidas, debaixo de marquises, túneis, viadutos. Famílias inteiras, com crianças, estão vivendo nas ruas.

Foto: Divulgação

A população em situação de rua no Brasil não apenas cresceu em ritmo avassalador com a crise econômica e social do país em meio à pandemia, nos últimos dois anos, mas também mudou drasticamente de perfil. De acordo com pesquisas acadêmicas recentes e informações do Movimento Nacional da População de Rua (MNPR), as mulheres, e consequentemente crianças, passaram a ser um contingente bastante expressivo dessa população.

O único dado oficial mais recente, mas que ainda se trata de uma projeção, foi divulgado em março de 2020 pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea): 221.869 brasileiros viviam nas ruas naquele ano, o equivalente a cerca de 0,1% da população total do país. Para o MNPR, cerca de meio milhão de brasileiros podem estar morando nas ruas hoje, especialmente por falta de condições financeiras para pagar moradia.

“A população de rua é um gráfico crescente desde sempre. Não conseguimos perceber, em nenhum momento da história, a diminuição das pessoas em situação de rua, porque elas sempre foram invisíveis para a política nacional. Tanto é que ainda nem temos uma contagem dessa população pelo IBGE. Isso está previsto agora, mas vai ser uma contagem parcial, porque vão fazer contagem de moradias precárias, barracas, etc. Pessoas que dormem em papelão, em marquises, não deverão ser contabilizadas”, prevê Darcy Costa, ex-morador de rua e hoje secretário nacional do MNPR.

Famílias inteiras na rua

Segundo Costa, “famílias inteiras estão indo para a rua no Brasil”, com aumento preocupante do volume de crianças e mulheres nessa situação. Devido a uma grande articulação política do movimento, o Congresso Nacional assumiu o compromisso de criar um Observatório Nacional da População de Rua, mas o projeto ainda não saiu do papel.

“É importante ressaltar que 1/3 dessa população, especialmente no Rio de Janeiro e em São Paulo, está na rua a partir da covid-19. São trabalhadores que já estavam em situação precária e que, com a crise sanitária, econômica e social ampla, perderam a sua rede de proteção social. Eles passam a não ter outro recurso, a não ser a rua. Esse perfil é o sujeito que era garçom, carregador, perdeu o trabalho, não pode mais pagar aluguel e vai com a família toda para a rua”, explica Marcelo Pedra, doutor em saúde coletiva e pesquisador do Núcleo de População em Situação de Rua da Fiocruz.

Pedra, psicólogo sanitarista que dedicou seu doutorado ao trabalho dos consultórios de rua no Brasil – hoje são 171 equipes, cada uma com capacidade de atendimento de mil pessoas na rua –, coletou dados alarmantes sobre o crescimento de mulheres nas ruas. Se em 2008 elas eram 12% da população de rua, agora, segundo o pesquisador, são ao menos 35%, isso considerando dados subestimados de 2020, com base em pessoas que têm cadastro no Sistema Único de Saúde (SUS).

“É bastante provável que esse número seja bem maior”, afirmou à DW Brasil. O psicólogo explica que certamente esse número é subnotificado, pois há uma enorme invisibilidade da população de rua. Houve pressão do MNPR e de congressistas – em 2020 foi criada a Frente Parlamentar em Defesa dos Direitos da População em Situação de Rua, presidida pela deputada Erika Kokay (PT/DF) – para que o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) incluísse, no censo de 2022, dados sobre a população em situação de rua. O censo deveria ter sido feito em 2020, mas foi adiado devido à pandemia.

“Historicamente, a operação censitária no país consiste não só no recenseamento da população, mas também dos domicílios onde essa população habita. Com esse entendimento, o IBGE não apura ‘população em situação de rua’ na sua integralidade. Sensível e compreendendo o fenômeno da exclusão habitacional na urbanidade brasileira, o IBGE buscará no Censo Demográfico 2022 melhorar a caracterização da população em situação de precariedade habitacional”, informou à DW Brasil a coordenação de comunicação do IBGE.

Os técnicos do instituto explicaram que, pela nova metodologia o censo vai identificar as pessoas que vivem nas ruas nas seguintes situações: em tendas ou barracas de lona, plástico ou tecido; nos logradouros públicos, construções de tapume, lata, zinco, tijolo ou outros materiais em calçadas, praças ou viadutos; em cama, colchão ou saco de dormir dentro de um estabelecimento; em estruturas não residenciais degradadas ou inacabadas (fábricas, galpões, prédios de escritório); em veículos (carros, caminhões, trailers, barcos); em abrigos naturais e outras estruturas improvisadas (vagão, gruta, cocheira, ruínas de construções não residenciais, paiol).

 

 

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